Lesões do ligamento cruzado anterior

O ligamento cruzado anterior é o principal estabilizador mecânico do joelho. Sua função primária é evitar a translação anterior da tíbia em relação ao fêmur, porém também atua na limitação da rotação interna. Constituído por duas bandas distintas (ântero-medial e póstero-lateral), apresenta comprimento de cerca de 32mm e secção transversa de aproximadamente 44mm2. A banda ântero-medial fica tensa com o joelho em flexão (dobrado), enquanto que a póstero-lateral tensiona-se com a articulação em extensão completa (esticado). Ambas se originam na face medial do côndilo femoral lateral e inserem-se na região central do platô tibial. São formadas predominantemente por colágeno tipo I (maior parte) e tipo III, com resistência suficiente para suportar forças de até 2160 Newtons (cerca de 220 quilos).

Na maioria das vezes a lesão do ligamento cruzado anterior ocorre durante prática esportiva (futebol, basquete, handebol). Normalmente em situações que envolvam entorse do joelho, sendo possível até ouvir o “estalo” do ligamento rompendo-se. Após, desenvolve-se inchaço e dor que levam algumas semanas para melhorar. Porém, ao tentar retornar a prática esportiva, ou até mesmo caminhando, ocorrem episódios de falseio articular, que muitos descrevem como uma sensação de o joelho ter “saído do lugar”. Este é o sintoma mais comum após a ruptura completa do ligamento cruzado anterior.

Lesão do ligamento cruzado anterior

No exame físico observa-se instabilidade anterior do joelho através de testes específicos. A ressonância magnética é o exame de imagem com maior sensibilidade para o diagnóstico (85-95%), além de auxiliar na detecção de outras lesões associadas comuns (meniscos, cartilagem articular e outros ligamentos).

Uma vez lesionado o ligamento cruzado anterior não cicatriza. Com o passar dos anos, a falta de estabilidade articular, ocasiona lesões no tecido condral e nos meniscos. Sabemos que, caso não seja adequadamente tratado, após cinco a dez anos da lesão inicial já existiram danos irreparáveis à cartilagem articular, desenvolvendo-se a patologia denominada osteoartrose. Esta situação é extremamente incapacitante pois cursa com dores crônicas e deformidades angulares graves.

Atualmente o tratamento ideal consiste na reconstrução ligamentar através de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas (videoartroscopia). Como o ligamento cruzado anterior não cicatriza, faz-se necessário utilizar algum tipo de enxerto para reconstruí-lo. Este pode ser autólogo (do próprio paciente) ou homólogo (de cadáver).

Geralmente utilizam-se enxertos autólogos devido a facilidade de obtenção, melhores taxas de incorporação e menores índices de complicações. Dentre estes dispomos das seguintes opções:

  • Tendão patelar: apresenta resistência semelhante ao ligamento cruzado anterior nativo, inclusive com carga de falha superior (2977N). A principal vantagem deste tipo de enxerto é a rápida incorporação (6 semanas aproximadamente), já que é composto por tecido ósseo nas extremidades. Entretanto, poderá ocorrer tendinite crônica no período pós-operatório, dificuldade para ajoelhar, além de possibilidade de ruptura do tendão patelar e perda de cerca de 20% da força de extensão do joelho.
  • Tendões flexores do joelho (semitendíneo e grácil): através de técnicas apropriadas de preparo podemos obter um enxerto quádruplo ou quintúplo, atingindo resistência de até 4600 Newtons. A principal vantagem consiste na redução da dor no pós-operatório precoce devido a menor morbidade no sítio doador. Entretanto, a incorporação é mais lenta em relação ao enxerto do tendão patelar. Apesar destas diferenças, os resultados a longo prazo são semelhantes ao primeiro. Importante obter um diâmetro mínimo para minimizar o risco de falha precoce do enxerto.
  • Tendão quadriciptal: nos últimos anos a utilização deste tipo de enxerto aumentou. Apresenta resistência semelhante aos demais e consiste em boa opção em casos de revisões (pacientes com cirurgias prévias).
Enxertos utilizados na reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior. A. Tendão Patelar B. Tendões Flexores C. Tendão do Quadríceps

Com auxílio da videoartroscopia são confeccionados túneis ósseos nos locais exatos das inserções do ligamento cruzado anterior. Após, o enxerto é passado através dos túneis e fixado no fêmur e na tíbia. Esta fixação pode ser realizada com parafusos de interferência (absorvíveis ou metálicos) ou por dispositivos denominados endobottons.

Reconstrução do ligamento cruzado anterior com enxerto de flexores e fixação com endobotton no fêmur e parafuso de interferência na tíbia.
Reconstrução do ligamento cruzado anterior com enxerto de flexores e fixação com parafusos de interferência no fêmur e na tíbia.

A recuperação pós-operatória tem duração média de 6-8 meses. As técnicas atuais de fixação do enxerto permitem a marcha com apoio total precoce (sem muletas) e a mobilização articular completa já nos primeiros dias de pós-operatório. Desta forma, é dispensado o uso de imobilizadores e as muletas são indicadas apenas na fase inicial (2 semanas).

Após 9 meses de pós-operatório autoriza-se o retorno ao esporte de contato (futebol, basquete, handebol, voleibol) desde que a evolução clínica seja satisfatória.